Relatos de um desviado


Hoje acordei diferente dos outros dias, o que não quer dizer que acordei feliz ou coisa assim, só que diferente. Querendo mudar, sabe?!
Estive pensando um pouco no que eu tinha... No que ficou para trás.
Sinto falta de estar bem. Não tenho dormido muito, mas o pouco que consegui pregar os olhos ontem, tive um sonho com meu passado. Não creio que seja algo enviado “dEle”, nem creio que Ele se atente mais a mim. Sei de Seu imensurável amor, é claro, mas a essa altura do campeonato, não sou “candidato a uma vaga” em seu Reino. Mas, enfim, voltando ao assunto, sonhei com minha mãe, minha tia, de fita nos cabelos, e os irmãos (como eu os chamava na época), todos bem aprumados, todos juntos, frente ao púlpito. Era uma manhã de domingo, daquelas de início de primavera, nas quais o ar é fresco, o sol frio e as ruas floridas. Eles estavam todos sorrindo para mim. Minha mãe estava tão feliz, me olhava com um orgulho! Eu podia sentir o peso do instrumento nos ombros, e o tom de minha voz fluindo junto à deles. Sinto falta todo santo dia disso. Das conversas após os cultos, dos estudos descontraídos, daquele fogo que ardia no peito, bem de leve no começo, e depois me incendiava. Sem machucar ou algo assim. Mas, como um sentimento, não sei explicar. A última vez que me vasculhei por dentro, à procura disso, nem me recordo mais. Só me lembro que não encontrei, a cada dia fui perdendo um pouco; na verdade, fui sentindo menos. Os motivos foram muitos. Nem sei direito. Só queria boa vida. Queria tanto ser feliz e me sentir bem, que hoje estou aos cacos. Minha carne queria ser satisfeita e então a satisfiz. Foi rápido o prazer em meu corpo, o cheiro da liberdade, as minhas conquistas, meus bens e tudo mais. Foi rápido. Eu é que continuei "mantendo a banca", estendendo o que já havia acabado, prologando o assunto. Me enganei tanto que estava bem, que acreditei nisso por um longo tempo.
Mas hoje já não sei mais. De vez em quando, eu me achego perto daquele lugar grande, de enormes portas abertas, passo olhando devagar, chego na esquina, mas não entro. Olho o jardim, as pessoas lá dentro, a placa, com nome bonito (O qual que nem em todas igrejas combina com o que realmente há lá dentro, mas isso não vem ao caso). A minha bela igreja não é assim. É pequena, até, daquelas pacatas, mas acolhedora. Eu me recordo. Mas recuso o retorno. Eu passo "os olhares" que virão, obrigado! Não preciso de ninguém me reprovando, já basta eu mesmo frente ao espelho.
Não os culpo também. Eu me detonaria se pudesse. Não presto! Se algum dia já fiz algo bom, foi com muito esforço. Acho que nunca fui bom na verdade. Estou há tanto tempo "assim" que acho que esse de fato é meu lugar. Aqueles que podem seguir em frente e serem felizes, que sejam, fico feliz por eles! Mas isso não é mais para mim. "Já abri o presente. Desembrulhei a caixa, rasguei o lacre. E então o joguei fora."
Mas... Com tudo isso, me lembrei também da história "dEle" ao madeiro. Isso me fazia chorar quando lia. Embora alguns amigos dissessem que eu era babaca por isso, mas eu chorava! É linda a forma como Ele aceita e perdoa. Eu sei que Ele faz isso. Às vezes, tenho vontade de falar com Ele também, mesmo sem sentir mais nada. Sinto vontade de orar. Mas não. O que eu diria?

– “Estou de volta. Te louvei e depois desdenhei. Experimentei do bom e do pior (e muito). Toda promiscuidade que um ser humano possa fazer, sozinho ou em companhia, e agora voltei, Pai.”

Não! Além do mais, creio que estaria falando sozinho. Como eu disse: alguns vão longe demais!
Prefiro viver assim. Nesse ritmo não terei mesmo muitos dias. Não tenho ninguém que se importe realmente comigo. Os amigos estão com suas próprias confusões, e meus pares românticos estão ocupados com qualquer coisa. Só nos vemos quando "há necessidade". Então não.
Me matar talvez seja algo que nunca pensei, não direto pelo menos. Não faria nenhuma diferença. E na verdade tenho medo do que "vem depois", sozinho. Então fico assim.
Tentaram umas vezes me animar, alguns coitados e bondosos da minha antiga igreja – daquele tipo de gente fofa que acredita que tudo é possível – mas, na minha opinião, nunca experimentaram o profundo da vida. Outros continuam me dando “A Paz do Senhor” e dizendo rapidamente que Ele perdoa e salva. Mas suas palavras não me entram a fundo, sabe?! Sei que é só educação da parte deles.
Outros continuam com a cara virada, e os que assim não fazem, comentam minha lástima logo após minha saída. Há ainda aqueles que, assim como eu, já se encheram de mim, pois revelam que eu já sei da verdade e não volto por falta de vergonha. Não gastarão empenho comigo, preferem pregar para quem nunca esteve no caminho.
Meus parentes, esses sempre dizem que eu “tinha futuro”. Adoram me ligar ao verbo passado, é incrível! E estão certos. Eu "já era".
Bom, mas a verdade é que... Eu queria mesmo vê-Lo, ou ouví-Lo de novo.
Queria voltar àquele tempo e dar orgulho à minha mãe também, que tenho visitado cada vez menos. Queria mesmo. Mas querer não é poder, não é?!
No estado que estou, o mínimo de honra e dignidade que alguém possa ter é muito desejado por mim. Eu diria isso a alguém, mas não me sinto à vontade. Elas são tão perfeitas. Irão olhar com dó, ou abrir logo a Bíblia Sagrada. Ela até me fazia bem, mas, atualmente, não entendo mais nada. Ao ligar a televisão, em algum canal cristão, espero no fundo – bem no fundo mesmo – algo milagroso do tipo: “Você que está aí, sentado no sofá vermelho, Deus tem uma chance para ti”, mas eles só falam falácias, sentados de frente uns para os outros, às vezes tão difíceis, que nem compreendo. Não são todos assim, mas não procuro, perco logo a paciência e desligo. Tenho vontade de ir às campanhas, mas cobram muito caro. Às vezes, eu sinto, sinto algo quando ouço uma canção ao colocar numa estação cristã, por engano, mas tiro rápido também. Tenho medo de sentir.
Então sigo. Verei se como algo hoje, apesar de não sentir tanto gosto. Estou certo que o trabalho acabará com o pouco de força que tenho e a cada dia ando com piores pensamentos a respeito dos que me oprimem por lá e fora de lá também.
Romance? Não vivo mais. Nem sei como é. Quem gostaria? Pobre coitada seria a pessoa por mim escolhida. E também os modelos que admiro são do meu tempo antigo. Aquelas pessoas corretas e respeitosas da congregação que sempre dizem no fim do dia que tudo irá ficar bem. Nunca, nem por um segundo, olhariam para mim, nem para amizade. Elas são simpáticas, falam de Deus, mas o medo de se envolver, de voltar a ter um segundo diálogo, talvez, se nota de longe!
Então, assim sigo.
E bora botar um sorriso despreocupado no rosto. Ninguém precisa saber de tudo. Já sabem o suficiente. Preciso parecer de fato não querer nada com nada. Antes, desprezo e reprovação de comportamento dos outros, do que pena.
E sobre Ele? Deus (o qual mal consigo pronunciar o nome por vergonha?).
Onde Ele me colocar está bom. Céu, inferno, Hades, nem sei mais. Seja o que for. Eu vou entender.
Já fui preocupado. Curioso. Intenso. Hoje não sou mais. Hoje sou assim. Simples até.
Sou quieto, já disse. Me sinto exausto e com um tremendo fardo. Que deixem-me cumprir minha pena em paz, ou melhor – em caos. Mas só! É o que decidi querer. Assim eu sigo.
E para você que ainda não percebeu: Sou eu, o(a) Desviado(a), Coitadinho(a), para alguns; o pau que nasce torto e morre assim. O(a) perdido(a), como gostam de me chamar.
Mas sou apenas alguém que parou de andar por onde andava.

"Alegrai-vos com os que se alegram, e chorai com os que choram."
(Romanos 12:15)

"Lembrai-vos dos presos, como se estivésseis presos com eles, e dos maltratados, como sendo-o vós mesmos também no corpo."(Hebreus 13:3)

"[...] Não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade."(1 João 3:18)

[E a você que leu e dentro de ti foi despertado o sentimento de empatia, meu "glórias ao Eterno". Pois essa é a vontade sublime dEle para seus filhos. O Deus vivo veio na terra para ensinar que é preciso, no lugar do outro, nos colocarmos. Que Ele te abençoe!
É um prazer, para mim, agora, estar por aqui. ♡]

 

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